Rubem Valentim (pintor, escultor, gravador)



Texto extraído de: http://www.museuvirtual.com.br/

"EU PROCURO A CLARIDADE, A LUZ DA LUZ"
Rubem Valentim

Trechos de declarações de Rubem Valentim para revista GAM3, de 1967, e outras declarações do artista.

A descoberta da cor
(por volta dos 5 ou 6 anos de idade,
através de um caco de vidro
disputado com uma vizinha):

"Não sei que fim levou meu caco de vidro azul, mas o tenho até hoje no coração. Esse foi meu primeiro contato com a mulher e com a cor. Ambas, porsteriormente, marcariam minha vida, irreversível e duramente".

Primeiras habilidades manuais:

"Aos 9 anos, comecei a fazer meus próprios presépios. Pintava e armava as casinhas de papelão, a igreja branca com janelas verdes, figuras de Maria e José, Adão e Eva com serpente, maçã e tudo, a lapinha, a cidade de Jerusalém (…). Tudo era pintado no papelão e recortado, preso num pedaço de madeira atrás, para ficar de pé. Mundo poético, popular, de cor e riqueza imaginativa, que ficou em mim e influenciou profundamente a minha arte".

Influência da arte contemporânea:

"Meu primeiro contato importante com a arte contemporânea ocorreu em 1948, na exposição de artistas nacionais e estrangeiros organizada por Marques Rebelo na Biblioteca Pública de Salvador. Fui vê-la várias vezes, deslumbrado, perdido, chocado com aquele mundo fantástico e tão novo para mim. Aluguei uma sala num velho sobrado de três andares, com sacada de ferro. Pela manhã desenhava composições com garrafas, latas, moringas, vasos, ex-votos e cerâmica popular.


Elaborava esquemas de cor e valores. À tarde, fazia pesquisas formais – livres, imaginosas. Ou ia ao Museu de Arte conversar com José Valladares, que me emprestava livros e revistas sobre arte.

Reproduzia imagens de um livro grosso sobre Cézanne, copiando-as a óleo, com valores em cinza. Com Cézanne aprendi a compor. Fiz cópias também de Modigliani, Matisse, Braque, Picasso e Chagall. Através de Klee compreendi a liberdade da expressão plástica e o valor fundamental da imaginação criadora. Sempre lutando para vencer as dificuldades de execução. Nunca fui muito habilidoso – felizmente. Vivia com sacrifício, sem dinheiro."

Religiosidade:

"Céu. Purgatório. Inferno. Ensinaram-me que havia pecados e que um deles era o pecado original, me falaram do nada e da criação do mundo. Fiquei ao lado de Cristo contra os que o mataram. Comecei a ir às igrejas e me perdia na contemplação: o ouro dos altares, as imagens, o silêncio, o cheiro de incenso e o de vela. (…) Ao lado da igreja, comecei a conhecer também o outro universo fantástico do candomblé. Um fenômeno típico da Bahia: minha família, católica, de quando em vez ia ver um caboclo num candombé. E lá ia eu, penetrando nele sem querer mais sair. O baiano, para sua felicidade, é católico animista."

Natureza e forma de sua linguagem artística:

"Com o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada – com o sangue negro nas veias – o atavismo – com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade – criando meus signos-símbolos, procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico e provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, tão ligado ao complexo cultural da Bahia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem autêntica para me expressar artisticamente.

Não tenho ambições vanguardistas, ou melhor, não quero ser um eterno profissional das vanguardas."

Sobre o concretismo:

"Nunca fui concreto. Tomei conhecimento do Concretismo através de amizades pessoais com alguns de seus integrantes. Mas logo percebi, pelo menos entre os paulistas, que o objetivo final de seu trabalho eram os jogos óticos, e isto não me interessava. Meu problema sempre foi conteudístico (a impregnação mística, a tomada de consciência de nossos valores culturais, de nosso povo, do sentir brasileiro). Claro, mesmo não tendo participado do Concretismo, percebi entre seus valores a idéia da estrutura que se adequava ao caráter semiótico de minha pesquisa plástica. Mas posso dizer que sempre fui um construtivo".

apud "Projeto Brasileiro Construtivo da Arte", São Paulo/Rio, 1977, pág. 292.

Sobre a descoberta da arte negra
e dos signos do candomblé:

"…sobretudo os objetos e instrumentos do culto nagô-gegê. Encontro consciente com o oxê de Xangô: o machado duplo, do mesmo eixo central, recriado por mim, posteriormente, e transformado em forma fundamental da minha pintura. O xarará de Omolu, o ibiri de Nãnã, o abebê de Oxum, os símbolos de ferro de Osanhe e de Ogum, o pachoró de Oxalá. (…) A organização compositiva, quase geométrica, dos pegis. Um amor imenso à construção geométrica, que sentia como inerente a todas as coisas orgânicas e inorgâncias. As contas e colares coloridos dos Orixás. Na pintura buscava uma linguagem, um estilo para expressar uma realidade poética, extraordinariamente rica, que me cercava, para torná-la universal, contemporânea. Pacientemente fazia o transpasse de todo esse mundo para o plano estético."








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