Leitura de Imagem - Hélio Oiticica


Utilizando-se de uma linguagem extremamente contemporânea e inovadora para o seu tempo, o artista levanta uma questão ética e social que lhe afeta pessoalmente. Juntamente com Lígia Clark, além de outros artistas, Oiticica desdobrará a questão dos novos suportes e da participação do público chegando em seus “Parangolés”. Termo criado por ele, a obra refere-se ao ato de vestir o Parangolé e realizar danças e movimentos corporais. No início observou que os espectadores aos quais apresentava as vestes não estavam preparados para desenrolarem o trabalho, então passou a vestir pessoas oriundas da Escola de Samba Mangueira, estes mais envolvidos com o ritmo e por isso mesmo mais disponíveis para a concretização da obra.

Segundo Favarettto, o Parangolé é a proposição com que ele formula a sua “arte ambiental”, nome da enfim conquistada estética do movimento e do envolvimento. Designa, genericamente, os desdobramentos do programa ambiental. Retoma que trata-se da invenção de uma nova forma de expressão; uma poética do instante e do gesto; do precário e do efêmero. Criações em que a cor se desenvolve, desloca-se o pólo da experiência; do objeto ao receptor. Estandartes, tendas e capas, panejamentos coloridos que se revelam no movimento. São abrigos para o corpo; solicitam ações e gestos: carregar, andar, dançar, penetrar, percorrer, vestir, são os atos das extensões do corpo.

A obra Parangolé, P 4, capa 1, 1964 construída a partir de lona, filó, náilon e plástico com pigmentos, assim como todas as outras obras desenvolvidas com esta linguagem, ampliam e intensificam o tempo da participação, liberando o imaginário. O crítico afirma que elas exaltam a fantasia, a visualidade espetacular, o êxtase da dança: “arte do corpo e do desenrolamento trans–espacial”, ligação entre vida e arte, arte e vida. Não são objetos; a estrutura se produz a medida que os materiais são usados. Produzem-se, pois são eventos, instáveis e indefinidos. É a função de um “fenômeno total”, da “totalidade ambiental”.
Cabe, entretanto, ressaltar que a visão que se tem desta obra refere-se à análise da imagem (fotografia) da mesma no momento em que uma pessoa a vivenciava, à luz das leituras e do estudo das intenções teórico - artísticas de Oiticica com sua criação. Este fato adquire extrema importância uma vez que a obra lida depende sua existência da ação do público (que não é mais só espectador!)e, se não a vivenciamos, falamos dela sob um ângulo muito diverso do que seria se a tivéssemos experienciado. Entretanto, não existe a impossibilidade de leitura já que esta se refere às críticas de foram feitas do trabalho, das palavras do artista sobre sua criação e da relação que as mesmas estabelecem com o momento histórico e artístico de seu contexto da.

O próprio artista afirma que “São estruturas que propõem um ‘não – teatro’, um ‘não – ritual’, um ‘não – objeto – arte’, um ‘não – mito’: O seu tempo é o das ações desregradas, ora previsíveis ora improvisadas, da invenção e da surpresa. São dispositivos que desencadeiam experiências exemplares com o objetivo de ‘violar’ o ‘estar’ dos participantes ‘como indivíduos no mundo’, transformando-lhe os comportamentos em coletivos.” (AGL, p. 71 in FAVARETTO, p. 107).

Objetivamente, nas palavras do autor, “...o inconformismo social compôs-se como inconformismo estético, na experiência da marginalidade. A partir dessa marginalidade Oiticica formula uma “posição crítica universal permanente”, indissociável da experimentação, com que interfere na vanguarda brasileira, enquanto nela encontra condições para desenvolver os projetos coletivos, implícitos na proposta – Parangolé.” (p. 116)

O artista chegou a expor suas vestes sozinhas, porém, dizia ser como apresentar tela em branco e pincéis, ou seja, apenas o material para a realização de um trabalho. Os parangolés só tinham validade no ato da dança, na emoção que tomava as pessoas que o vestiam e na vivência que conseguiam ter com ele. Desta forma discutiam o mercado da arte, a sociedade do consumo, o status do produto de arte, da mercadoria que é exposta e consumida pelo espectador em museus e galerias em contraposição com aquela que é efêmera, que só existe na experiência daquele que a vivenciou. As impressões táteis se ampliam para outras esferas dos sentidos, a impressão destas obras é ao mesmo tempo visual, tátil, auditiva e olfativa.

Nesta obra, os elementos que compõem a estrutura ambiental convergem na expressão de uma “...determinada ordem espacial da estrutura – cor dada pelo objeto em si (vermelho, laranja, marrom) e pelo ato do espectador, que veste a capa e dança”. Assim a totalidade ambiental opera como um sistema ambiental cujo pólo é o participante. Desenvolve-se um espaço intercorporal, criado pelo desdobramento da estrutura – Parangolé, executada pelo participante e pelos elementos da situação. É uma participação ambiental.

Na capa, acontece a incorporação mágica dos elementos numa vivência total. Essas manifestações da cor no espaço ambiental propõem o máximo de ação, pois “o ato expressivo” requer participação corporal direta. Vestir a capa, movimentar-se, dançar são processos de “transmutação expressivo - corporal”. Simultaneamente, os desdobramentos das camadas de pano colorido em movimento explodem a estrutura – cor que produz o “ambiente - luz”. Sobre a “totalidade ambiental” que incorpora todos os elementos – estrutura – cor, movimento, participação, objeto e espaço circundante. A dança é a fantasia desse movimento, integra ritmo, corpo e estrutura, enfatiza gestos, estende espaço e solta a cor.

Djeine Dalla Corte


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